sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Cápsula do tempo

Hoje descobri por acidente uma cápsula do tempo que criei involuntariamente há quase três anos atrás. Trata-se de um CD de backup que gravei em 2006, na maior parte com arquivos do meu computador, mas também com certos arquivos do meu irmão, o qual, quando foi para a Itália o levou consigo. Enfim de volta para passar férias com a família, ele me trouxe o CD, o qual eu já nem lembrava exatamente o que continha. Para minha surpresa, havia muitas fotos, tiradas com minha primeira câmera digital, além de arquivos de áudio (gravações da minha própria voz) e texto. Tamanha era a diversidade dos arquivos que me foi possível resgatar com uma enorme grandeza de detalhes como era a minha rotina nos idos de 2005-06, e muitas foram as surpresas; coisas que eu nem me lembrava mais, descobertas de características minhas atuais que começavam a se moldar ainda naquela época, enfim, uma viagem de autoconhecimento através do tempo.

O que mais me chamou atenção nas minhas próprias fotos é que eu sempre estava sozinho, nunca havia ninguém mais, e a maioria das fotos foram tiradas no próprio apartamento, principalmente do meu quarto. Havia muitas fotos do meu computador, em diversos ângulos, diversas telas, fotos até mesmo do teclado. Outras mostravam o cenário ao redor, como o vão de escadas do prédio (19 andares) e até mesmo o elevador. Era como se eu vivesse num mundo à parte, a solidão era latente. Isso fica ainda mais claro nos textos, e ainda que eu fosse acostumado com isso, havia um dilema dentro de mim, uma parte de mim que sofria com aquilo, que queria companhia, queria calor humano.

Meu olhar sobre a câmera, 2005


Anotação do meu pai na parede sobre meu primeiro coma alcoólico, 04/09/04. (essa tradição familiar de escrever eventos marcantes em paredes remonta ao ano de 1988)


Vista do Centro a partir da escada do 18º andar, 2005. (Note como a grade sugere prisão, essa era a idéia)


Vista do meu quarto, 2005.


Textos: Eu nem me lembrava mais que eu tinha uma espécie de diário onde eu escrevia certas coisas relevantes (ou não) que aconteciam ou que estavam por acontecer em breve. Interessante é que ao invés de escrevê-lo ao fim do dia eu o escrevia na véspera, especulando sobre como seria o amanhã, metas, etc. Eles revelavam minha rotina em detalhes, além do meu modo de encarar as coisas:

"6ª 01/07 (sic) - eu ja tinha calculado, o exato meio do ano seria ao meio dia (182,5 dias), mas eu me esqueci na hora, fui almoçar. Tb d q adiantava, q q eu ia fz? festejar? abrir champanhe? boa merda. (...)"

"segunda feira (sic) 04/07 - viva a independência dos usa!! rofl. Se hj em dia eu falo inglês eh s/ dúvida eh (sic) por causa desse país. (obs, eu n considero isso uma boa coisa!)"

"quarta feira (sic) - 22/06/05 - (...) -voltei p/ ksa, ainda pensativo, me sentia contrariado em estar voltando, queria ir p/ algum lugar, mas eu nem mesmo sabia onde... (...) droga pq q a solidão machuca assim? Eu novamente senti aquele vazio..."

Outro tipo de texto presente foi o de histórico do messenger, mas deste, só destaco uma conversa, a qual relendo hoje, me deixou sem palavras durante alguns instantes (Obviamente preservei nomes).


31/08/2006 - 21:53:27 - "P" - "pq vc se interessou em mim?"

31/08/2006 - 21:54:19 - "C" - "pq eu vi a solidao dentro de vc"


Fiquei sem palavras justamente porque a solidão que tanto tinha o poder de me isolar, surpreendentemente também teve o poder de atrair. Entretanto nos afastamos de novo. Isso me remete a um post anterior, "Sentido", ou seja, a idéia de que a vida não tem sentido. Ou ao menos eu não tenho capacidade de percebê-lo.

sábado, 22 de novembro de 2008

Utopia

Há algo de errado neste mundo. Pare e pense. Você certamente deve estar dizendo “Descobriu a América!!!” ou deve achar que minha frase deveria ser aplicada no plural, ou mesmo superlativo, coletivo, elevada ao quadrado, ao cubo, algo assim. Bom, concordamos em algo, mas não da forma como esse algo foi dito, de uma maneira ou de outra. Mas quando digo que há algo de errado nesse mundo, me refiro a algo primordial, a origem de todos os erros, afinal é disto que trata este blog, das coisas mais elementares, coisas que abrangem tudo, sobre as quais só podemos especular na teoria. Assim sendo, com o exemplo acima posso demonstrar como começam os problemas do convívio humano: temos uma situação (proposição), dita por um indivíduo (eu), analisada por outro indivíduo (você), proposição gerada pela análise de uma realidade no ambiente ao redor do primeiro indivíduo, provavelmente a mesma realidade experimentada pelo segundo. Sua exposição à proposição do primeiro indivíduo estará em xeque: você terá (e teve) uma reação, seja ela positiva, neutra ou negativa; na minha hipótese (longe de crê-la certa, mas precisava de um ponto de partida), você teve uma reação positiva, concordou com a proposição. Mas discordou quanto à formulação da proposição. Daí principia o contato e interação entre indivíduos. Agora substitua a proposição por algum dogma religioso, e suponha que o primeiro indivíduo é um muçulmano e o segundo é um cristão... A proposição pode ser qualquer coisa, desde que cause uma reação no indivíduo receptor. Um apelo sensorial, causador de uma reação (des)agradável. É aí que vem o erro do qual falo, a relação entre proposição e reação, que neste mundo parece não ser harmoniosa. Fazemos um gesto, nos comportamos de um modo, mas será que isso será entendido como desejamos, pelo receptor? Essa desarmonia parece ser causada pela obscuridade de nossas mentes. Um mistério que há muito intriga a humanidade: O que o outro pensa. Agimos de uma forma, mas nem sempre sabemos como o outro entenderá essa ação.

Creio que o erro primordial está no modo como enxergamos as coisas. Se enxergássemos uns aos outros com amor, como irmãos, cuidando uns dos outros, o mundo seria muito diferente. Não, o erro primordial vem da luta pela sobrevivência, afinal, você é de carne, eu sou carnívoro... Não, vem da idéia de posse, afinal isto é meu, e se necessário lutaremos até a morte pelo direito de possuí-lo. Não, vem do raciocínio, que ironicamente nos faz ter todos esses pensamentos que nos fazem voltarmos uns contra os outros. Não, vem do desequilíbrio que permeia nossa existência. Vem da própria existência desgraçada desde antes dos nossos nascimentos, que por desígnios atrozes nos trouxeram aqui. Nos reunimos aqui por puro infortúnio e aqui devemos padecer até achar uma solução, ou não. Sim, isso tudo turva nossas visões. Isso nos impede de enxergar um modo de vivermos em harmonia. Desde criança eu me perguntava porque não poderíamos todos viver felizes, pela eternidade. Hoje entendo que isso faz parte da liberdade que temos, e da complexidade deste mundo, de outra forma, tudo seria previsível, nossas vidas seriam monótonas e a felicidade perderia seu valor, pois seria abundante. A verdade é que precisamos de um contraste, precisamos nos machucar para saber o quão sãos estávamos, precisamos da escuridão para reverenciar a luz, precisamos sofrer para valorizar o prazer.

O fato é que este mundo está cheio de desigualdade e desilusão. A espécie humana, como todas as outras, busca sua sobrevivência, sua continuidade, sempre buscando o melhor para si, desde espermatozóides, quando o mais forte e o que nada mais rápido chega ao óvulo, deixando milhões de irmãos-competidores para trás. Ainda antes disso, sua hospedeira escolheu a dedo aquele com quem teria essa cria, preterindo tantos outros através de padrões de estética, intelecto, físico e monetário, os quais nem sempre são apurados. Tantos nem chegam a nascer, e tantos nascem e morrem logo depois, ou nascem debilitados. E durante a vida somos sempre sujeitados a provas como as que nossos pais fizeram, e seleções como as quais nós passamos ainda em tempos imemoriais. Mesmo assim, dos 6 bilhões e tantos milhões de seres humanos, malmente 1/6 deles vivem em boas condições, enquanto os outros 5 bilhões meramente sobrevivem, e dentre eles mais de 1 bilhão agoniza. A espécie humana está falindo, e acho que são justamente esses mecanismos que buscam sempre o melhor para nós, potencializados pelo raciocínio mais as condições naturais de nosso habitat que nos fazem entrar em um infinito jogo de interesses dos quais poucos saem ganhando, e mesmo esses poucos não sabem por quanto tempo ainda terão sorte. Seria a fonte de todos os erros essa busca pelo melhor para nós mesmos, implícita em nosso código genético e elevada a potências altíssimas por nosso raciocínio entorpecido, cuja interação em sociedade é guiada por olhos turvos? Será que na nossa existência, para que um ganhe, alguém sempre terá que perder?


Nota: "Eu" e "Você" são simbolicamente o "eu" de alguns meses atrás, quando comecei a escrever este texto, e o "eu" de hoje, quando o concluí.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Sem Título

Calçadas. Avenidas. Ruínas. Não há mais pressa. Não há mais horários. Tudo acabou, e a conclusão é de que a existência humana não teve importância alguma.

Ruas outrora ocupadas por carros ansiosos por chegarem aos seus destinos. Placas de atenção para as quais não existem mais olhos capazes de enxergá-las...

É difícil saber onde terminam os escombros e onde começam os cadáveres. Tudo é inerte. O conceito de movimento foi perdido, junto com a memória daqueles que pereceram.

Sonhos... Tenazes quelíceras cravadas em tudo que viam. No fim, trouxeram o pesadelo mor. Mas no fim nada mais importa. Nada mais existe.


Homeostase tão longínqua. Não dava pra esperar. Tiveram que acabar com tudo eles mesmos.

domingo, 9 de novembro de 2008

Os danos da reciprocidade

A reciprocidade pode nos levar a agir da maneira que mais detestamos. Quando respondemos a um mau tratamento da mesma maneira, transformamos-nos exatamente no objeto do nosso asco. Isso tem acontecido comigo com freqüência cada vez maior, e quero deixar um registro de sanidade aqui, para lembrar-me no futuro de como eu era. Por Deus, não quero agir como agem comigo, não quero tornar-me assim, mas ao que me parece minha personalidade está se moldando dessa forma.

Eu que sempre era atencioso; quando me chamavam, respondia imediatamente, mas quando eu chamava alguém, familiares, amigos, colegas ou não, estes dificilmente escutavam. Agora, por mais que minha percepção seja excelente, eu me recuso a atender algum chamado. Se alguém me chama, ao me ver passar em algum lugar, internamente eu ouço com tamanha percepção que até dói, mas recuso a responder de primeira. Às vezes até ignoro completamente. Se posteriormente confrontado, finjo que não ouvira. Quando converso com alguém e outra pessoa me chama, não lhe dou ouvidos, embora o poderia fazer de imediato, porque é assim que me tratam, e eu detesto isso, pagando na mesma moeda. Começou sendo recíproco aos que me tratam com desprezo, para mostrar-lhes o quão chato isso é, mas aos poucos fui assimilando esse comportamento no dia-a-dia, e de repente percebi que ajo assim com qualquer pessoa. Meu pai adora falar comigo sobre sua vida, sobre o que fez, o que deixou de fazer, e sobre a vida alheia, de parentes e amigos, o que eu não tenho o mínimo de interesse em saber. Mas quando quero lhe falar sobre mim, sobre alguma experiência ou algo relevante, ele simplesmente não me dá ouvidos. Assim o trato agora, e ao persistir, o trato de maneira irônica, mostrando-lhe o quão inúteis aquelas “informações” são para a minha vida. Pronto, este é o ingresso às vias de fato.

Atenção se torna lentidão, simpatia vira indiferença. A reciprocidade forma uma equação: Se você é atencioso comigo que também o sou, somos recíprocos positivos; se eu sou atencioso com você, e você não o é comigo, eu não te darei atenção, causando assim uma reciprocidade negativa. O caminho da misericórdia é ser atencioso ainda que as pessoas lhe destratem, o que pode ser um teste de paciência e pragmatismo, a fim de levar as pessoas a caírem na real e verem o quão grosseiras estão sendo. O caminho da praticidade é a comunicação, que pode ser a chave para resolver muitos impasses. “Porque você não me ouve?”, “Deixa de ser fdp!”, “Eu não te trato dessa forma”, e por aí vai. Ações devem ser ponderadas, levando a uma conclusão. Ou se chega a um consenso ou ambas as partes se isolam. O importante é que ambas estejam conscientes da situação.


Esse comportamento tem chegado a um nível ainda mais complexo: Ignoro quem me destrata ou não me dá atenção. Eu sou legal, procuro sempre o bem daqueles que me cercam, e costumava ser assim ainda que isso não fosse recíproco, seguir aquele caminho da misericórdia. Hoje não, não me importo mais com nada nem ninguém. Cultuo o desapego, a indiferença. Não sei como estarei a esse respeito daqui a um ano ou mais, e se eu ler este texto, ponderarei. A verdade é que eu sempre quis mudar. Deixar de ser bobo. Quem sabe isso é uma coisa boa, a mudança que eu sempre quis. Se eu estava insatisfeito com o meu comportamento antes, muito provavelmente nada de satisfatório aconteceria se eu continuasse a agir da mesma forma. Seja boa ou ruim, essa mudança me trará resultados novos.

sábado, 1 de novembro de 2008

Verbo

O problema de tudo vem dos verbos. Os verbos limitam, classificam, isolam, apontam características dos seres. Tudo poderia ser absolutamente qualquer coisa sem os verbos, mas não, lá estão eles para dizer que isso é assim e não assado. O poder dos verbos é tamanho que em diversas culturas a criação do mundo e do Universo lhes é atribuída. Afinal Deus disse “Faça-se a Luz!”, e a luz se fez. Justo Deus, ao qual não se podem – ou ao menos não se deveriam – atribuir adjetivos, ligados por verbos. No Sri Isopanisad (um livro hindu), diz-se em determinado capítulo que Deus é Aquele que anda mas não anda; fala mas não fala, é mas não é. Esta é a diferença entre o homem, o mundano, e Deus, o divino: Deus não pode ser limitado por verbos, não se pode dizer que Deus é assim e não pode ser de outro jeito. Deus pode ser tudo, é isso o que O faz Deus, o incompreensível, pois se pudéssemos compreendê-Lo Ele não seria Deus.
Justamente por não poder ser cerceado por limites verbais, Ele encerra em si tudo o que há de bom e de ruim, tudo o que há nos nossos corações, como sua imagem e semelhança. Aliás, Ele é limitado por limites verbais, mas não é limitado por limites verbais.

Gostaria de esquecer do que preciso. Gostaria de esquecer do que gosto. Gostaria de escrever estes versos em prosa. Não depender de conseguir, não depender dos verbos, não dever ser nada. Há duas tragédias na vida: uma é quando não conseguimos o que queremos, e a outra é quando conseguimos.

Odeio o imperativo. É a nossa língua corroborando com a discriminação, a vontade de um sobre o outro. Os pronomes de tratamento também. Vós é mais do que Você. O Senhor, A Senhora, são mais do que Tu. Somos todos iguais, nascemos do mesmo jeito, e assim morreremos. Nada mais sublime do que o poema “O mundo é um túmulo” de autoria atribuída a Nezahualcoyotl (1402-1472), Rei-Filósofo de origem Alcolhua, um dos fundadores do Império Asteca:

O mundo inteiro é um túmulo e nada escapa disso.
Nada é tão perfeito que não desça até sua cova.
Rios, riachos, regatos e fontes fluem, mas nunca retornarão aos seus joviais começos;
Ansiosamente eles seguem para os vastos reinos do deus da chuva.
Assim como eles alargam suas margens, também modelam sua triste urna mortuária.
Cheias estão as entranhas da Terra com poeira pestilenta outrora carne e osso.
Outrora corpos animados de homens que sentaram sobre tronos, decidiram litígios, presidiram conselhos, comandaram exércitos, conquistaram províncias,
possuíram tesouros, destruíram templos, exultaram seu orgulho, majestade, fortuna, glória e poder.
Desaparecidas estão essas glórias, assim como a fumaça amedrontadora expelida pelo fogo infernal do Popocatepetl.
Nada mais os recordará senão a página escrita.


Maxtla que o diga.

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Nota: Maxtla era o arqui-rival de Nezahualcoyotl, filho e sucessor de Tezozomoc, rei de Azcapotzalco, reino que subjugou Texcoco, terra de Nezahualcoyotl, quando este tinha 15 anos. Nessa ocasião, Nezahualcoyotl foi obrigado a ver seus pais serem assassinados por soldados de Azcapotzalco. Maxtla foi sacrificado aos deuses quando Azcapotzalco foi invadida pelas forças da tripla aliança (Texcoco, Tlacopan e Tenochtitlan), a qual viria a formar o Império Asteca.