sábado, 13 de setembro de 2008

O momento eterno

Eis que acordo num lugar estranho, rodeado de máquinas, não fosse pela luz de seus leds estaria no breu. Seus ruídos quase harmônicos pareciam me ninar. Olhei ao redor. Eu estava deitado no chão, e ao meu lado estavam meus pertences. Entre eles, havia um broche com o meu nome. Eu estava com uma roupa social, bem vestido. Havia uma chave no meu bolso, atada por uma fita do Senhor do Bonfim. Me refiz, abri a porta e desci uma escada espiral. Meu chefe parecia estar cochilando no back-office. Olhei o relógio, estava parado em 4 horas da manhã. Pensei que estivesse com defeito, mas não. O mesmo acontecera a todos os outros relógios. Olhei ao redor e não havia ninguém. Tentei acordar meu chefe para relatá-lo sobre o fato, em vão. Passei um rádio para a segurança, mas ninguém respondia. O telefone estava mudo. Saltei o balcão do front e perambulei a procura de alguém. Eis que havia alguém no lobby-bar. Ainda que fosse estranho haver algum garçom àquela hora da madrugada, me tranqüilizou vê-lo. Aproximei-me e vi que ele não era um garçom. Ele estava vestido igual a mim. Minha visão ainda estava um pouco turva após o sono, e tive que me aproximar mais para ver quem era. Não tive coragem de dizer nada antes disso. Ele estava de costas, usando a máquina de café, calmamente. Cheguei ao balcão e esbocei cumprimentá-lo. Ao ouvir-me, virou-se para mim, com duas xícaras de capuccino sobre uma bandeja. Ele era eu mesmo.

Não podia acreditar no que os meus olhos viam. Impossível! Só podia ser um sonho, um pesadelo. Isso! Eu ainda estava dormindo! Na verdade eu ainda não tinha acordado! Atônito, dei um passo atrás, suava frio e meu coração batia muito forte. Calmamente, ele me olhou e me disse “Acalme-se. Nem eu nem você somos reais. Você é seu corpo de sonho. Nosso corpo físico está longe daqui”. Tateei o balcão de granito, senti seu frio, e isso de certa forma me tranqüilizou. Meus sentidos pareciam estar apurados. Minha reação foi manter a sanidade, buscar a razão. Respirei fundo e olhei novamente para aquele homem, exatamente igual a mim. Perguntei-lhe: “Então isso é um sonho?” E ele me respondeu: “Você veio até aqui através de um sonho, mas é mais do que isso. Aqui é o passado – você foi demitido hoje às 06:10 da manhã, e eu fiquei aqui. Eu sou a memória de quando você trabalhava aqui”. Então, pedi-lhe para me provar o que ele estava falando. De súbito ele me ofereceu uma xícara de capuccino falando em um código que eu criei quando tinha 14 anos, e que só eu sabia. Comecei a entender o que se passava, e aceitei o capuccino, enquanto conversava comigo mesmo. Ele, ou eu, sei lá, me disse que queria ter me oferecido o capuccino antes, mas aí é que eu teria desmaiado de susto. Me explicou que ele ficou aprisionado lá desde a noite da minha demissão (eu trabalhava de madrugada) e que todos estavam inertes porque o tempo parou para eles. Mas meu Eu onírico pôde reativar meu Eu passado. Na verdade, estávamos conectados mentalmente, e isso era a essência que nos fazia um ser único, e era por isso que ele tinha consciência do que se passava, e sabia da demissão que ainda iria ocorrer.

Aquela dimensão onde estávamos era uma interseção entre o mundo onírico e o passado, de forma que tudo o que era passado se conservava ali, porém estático, e minha visita ali só me fora possível através de um sonho. Assim, a noite era eterna, e a capacidade da máquina de capuccino também! Eu não podia alterar o passado, mas podia vivê-lo a meu bel prazer.
Também descobri que meu Eu passado estava aprisionado no lugar onde eu estava naquele momento passado - o resort onde eu trabalhava. O sonho tornava possível aquele mundo intangível. Fui comigo mesmo para a sala de jogos, foi tão divertido jogar no fliperama comigo mesmo! O chato é que eu vencia sempre, ganhando ou perdendo...

Fiquei curioso para explorar a parte externa, ir pra rua, ver se encontrava mais alguém. Meu Eu passado não pôde sair comigo, porque a memória que o constituía limitava-se apenas ao resort. Concentrei-me no meu corpo onírico, e para o espanto do meu Eu passado, voei. Imaginei que em sonho eu poderia voar, e assim poderia fazê-lo, distanciando-me do mundo material passado e concentrando-me no meu Eu onírico. Elevei-me a muitos metros de altura e contemplei a cidade do alto. Senti uma paz infinita invadir meu peito, diante daquela metrópole iluminada e silenciosa. O mundo parecia morto, sem o movimento temporal, mas eu era a vida pura. Voei até a minha casa, e vi meu pai dormindo. Vi sobre minha cama a venda, feita com um lençol amarrado, que eu usava todas as manhãs para cobrir meus olhos, e assim poder dormir de dia. Ao tocá-la, chorei. As lágrimas do meu corpo onírico eram luminosas e etéreas, evaporavam-se rapidamente, faziam-me sorrir e assim parei de chorar. Senti que havia muito mais coisas para explorar, uma vez que eu podia voar para onde quisesse. Então voei para Jacobina. 6 horas de viagem terrestre tornaram-se 6 minutos de um vôo onírico. Era seu aniversário, e agora eu podia voltar no tempo e ainda atravessar toda aquela distância para revê-la!

A serra que cerca a cidade parecia pequena, vista do alto, e no inverno de junho os rios D’ouro e Itapicurú confluíam bem mais volumosos do que quando os vi pela primeira vez, meses mais tarde. Ainda havia alguns fogos de São João, cujas explosões inertes em pleno ar formavam esculturas ígneas coloridas. Parecia estar fazendo frio, mas tudo era tão excitante que eu não era capaz de senti-lo. Finalmente achei a casa dela. Pousei na varanda e atravessei as paredes. Não havia ninguém. Seria fácil demais... Em meio àquela rotina consumida totalmente pelo trabalho e pela faculdade, não pudera manter contato com ela, e assim saber pra onde ela fora. Imaginei então que deveria ter voltado para sua casa, justo de onde eu vim - Salvador! De nada adiantaria ficar triste, e afinal de contas, para quem pôde voltar no tempo, pará-lo e voar 300km em 6 minutos, nada era impossível. Assim, fiz a viagem de volta, tão rápido que me sentia parte do próprio Céu, e a velocidade fluia por todo o meu corpo. Sobrevoei a capital novamente, por sobre as nuvens tudo parecia tão pequeno... Era lá. Mergulhei em direção à sua casa, atravessei as paredes como se jamais tivessem existido. Lá estava ela adormecida em seu leito, bela como eu havia imaginado. Não, muito mais. Foi aí o ápice do momento eterno, quando me perdi em sua beleza, perdendo a noção de tudo enquanto contemplava-a. Afaguei seus cabelos, tão negros e brilhantes. Senti o calor de seu corpo, na medida em que me aproximava. Toquei seus lábios com os meus. Dois mundos, o etéreo e o físico se encontravam. Não se distinguia sonho de realidade, presente, passado e futuro. De repente, acordei num lugar estranho, rodeado de máquinas, não fosse pela luz de seus leds estaria no breu. Seus ruídos quase harmônicos pareciam me ninar...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Mundo verbal x não-verbal

As línguas humanas são convenções desenvolvidas entre seres humanos a cerca de tudo que os rodeia. Chamamos o Céu de “Céu” porque alguém conveio que assim era melhor chamá-lo, enquanto outros acharam que o Céu tinha cara de “Sky”, ou “Nebo”. Assim surgiram as línguas – traduções verbais do mundo não-verbal ao nosso redor, quando duas ou mais pessoas concordaram em chamar algo disso ou daquilo. O cenário nos conta. As paisagens sabem de tudo o que precisamos, só temos que saber decifrá-las.
Hoje acordei com um estrondo que me dizia “Bom dia”.



Verbal vs. Non-verbal world

Human languages are conventions developped among human beings about everything around them. We call Sky “Sky” because someone thought to call it so, meanwhile others thought it looked like “Céu” or “Nebo”. So the languages were born – verbal translations from the non-verbal world around us, when two or more people agreed on calling something like this or like that. The settings tell us. The landscape know everything we need, we just have to know how to decode them.
Today I woke up with a boom saying “Good morning” to me.