quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Popol Vuh

Também conhecido como Livro do Conselho dos povos maias* da Guatemala. Trata-se da maior obra da literatura maia que chegou aos nossos dias. Tive oportunidade de baixá-lo de um site há cerca de dois anos e até hoje não pude lê-lo completamente. Divide-se em quatro partes, das quais a principal narra a criação do mundo segundo a cosmogonia maia. O livro conta que originalmente os seres humanos eram dotados de uma inteligência equiparável à dos deuses; tinham super visão, podendo inclusive enxergar no escuro, dentre outras habilidades. Reza a lenda que os deuses, temerosos que os homens tomassem seus lugares, sopraram em seus olhos, privando-os de suas prodigiosas habilidades e reduzindo-lhes a inteligência. Até aí tudo bem. O livro me chamara atenção, pois sou um grande admirador das civilizações mesoamericanas, mas o que realmente me atraiu foi o que se diz no prefácio. O livro era usado pela nobreza maia como instrumento de conexão com os deuses, podendo trazer de volta a quem o lesse os antigos poderes de nossos ancestrais. O Popol Vuh é mais do que um livro, é um instrumento interdimensional. Ora, o leitor deve estar se perguntando, incrédulo, porquê então esses poderes não são mais alcançados? Há muitas teorias a respeito. A verdade é que o Popol Vuh que chegou até nós está muito longe de ser o original. Essa versão foi feita em alfabeto latino, da época da invasão espanhola. Supõe-se que as faculdades sobrenaturais do livro têm sua chave na antiga escrita logográfica dos maias.

Verdade ou não, toda essa história narrada no prefácio do livro me fascinou de tal forma que imediatamente quis começar a lê-lo. Bons em marketing esses antigos maias, hein? A verdade é que esse livro mudou minha forma de encarar livros. Antes, via o universo literário como um mundo de informações registradas graficamente. Nada que pudesse mudar as habilidades psíquico-mentais ou físicas do leitor. Lia um livro como se o ouvisse de alguém, e armazenava as informações. Não achava que elas pudessem me dar super poderes ou algo assim.

Desde pequeno tenho esse estranho interesse em civilizações pré-colombianas. Com o advento da Internet, pude enfim ampliar minhas fontes de pesquisa, sair da salinha da Biblioteca da escola. Foi assim que encontrei esse livro, pesquisando solitariamente. O processo de leitura foi bastante complicado, pois tinha que ler o livro no computador (imprimir sairia muito caro) e ainda por cima em inglês. Mas o maior problema era realmente não tê-lo impresso.

O Popol Vuh também me mostrou como um único livro pode ser posteriormente o único ou um dos únicos registros sobre uma cultura extinta. Lendas à parte, o Popol Vuh é um grande registro cronológico da grandeza da cultura de um povo esquecido. É como se tudo o que se pudesse saber sobre a cultura brasileira se encerrasse em um único livro, quiçá Memórias Póstumas de Brás Cubas, ou (pasmem) Viva o Povo Brasileiro. Hoje, graças ao referido livro, enxergo todos os outros com mais carinho, pois eles podem sim mudar nossa forma de pensar e quem sabe, um dia ser tudo o que resta de determinada cultura, como a nossa.
















(Sonhei com essa ilustração antes mesmo de vê-la.)


* - Ao contrário do que muitos pensam, os maias não eram um único povo, tampouco formavam um império (embora houve tentativas, principalmente da parte das cidades de Mayapan e Calakmul). Eles se organizavam em cidades-estado, grande parte delas formadas por povos distintos, embora todos eles tivessem uma certa unidade cultural, como idioma, religião, etc. Ao povo Maia Quiche é atribuída a criação do Popol Vuh.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sentido

Contar-lhes-hei uma estória que começa com um sujeito quase normal, exceto pelo fato de que ele não podia ficar exposto ao Céu, ou este o sugaria.


Um dia ele quis saber o que aconteceria se o Céu o sugasse, queria ver a Terra lá de cima.


Daí ele propositalmente se expôs ao Céu, e este o sugou de imediato, levando-o às alturas.


Ele sentia cada vez mais frio e o ar ficava cada vez mais rarefeito.


Aí ele morreu.


É isso.


A vida não faz sentido.


quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Kamikaze

Domingo, 24/02/08, 07:30. Saí do trabalho. Na época eu trabalhava de madrugada e sequer tinha direito a intervalo. E nem era por que tinha muita coisa pra fazer, mas sim porque meu chefe era um tremendo de um carrasco. Ainda bateríamos testa muitas vezes até ele nos deixar tirar um intervalozinho. Exausto, após mais uma noite sem dormir, fui para o ponto de ônibus sem nem sequer saber para onde eu ia. Meu corpo só pedia cama, mas eu queria porque queria ir pra porra do rappel, lá nos cafundós da Ilha de Itaparica, onde o pessoal do meu grupo estava rappelando. Na época eu nem pensei nisso, mas depois constatei que a distância de Stella Maris até lá era de uns 75km. Pra você ver o esparro onde eu estava me metendo. Pensei “o primeiro Campo Grande que vier aí eu pego e vou pra casa!”, mas eis que o que me veio foi um ônibus pra Estação Mussurunga (R2), que era justamente o que eu precisaria para ir pro Terminal Marítimo pegar a barcaça, digo, o ferry-boat em direção à Ilha. Parece que eu realmente tinha que ir pra aquela joça. Ou não. Não fosse tão teimoso era só esperar um pouquinho mais até chegar o Campo Grande. Putz.

08:00. Após um breve cochilo no ônibus – contra a minha vontade – acordei na base da porrada da barra de ferro do assento à minha frente batendo na minha testa (ou o contrário?) já na hora em que chegávamos à estação. Lá, cambaleando de sono, rastejei até o ponto de Ribeira – São Joaquim, rumo ao Terminal Marítimo de São Joaquim (coincidência, não!?). Cheguei lá por volta de 08:30, comprei uma passagem de Ferry-Boat, o qual só partiria dali a uma hora. Fiquei pensando “pqp, ainda tenho uma hora, tô pertinho do centro, ainda dá pra voltar atrás e ir bater aquele ronco lá em casa!”, mas não, a passagem já estava comprada, eu não ia dar R$ 4,50 de mão beijada pra TWB nem fudendo. E também eu já tinha ido longe demais para desistir. Durante a hora que esperei, li um volume de Éden que eu havia comprado na noite anterior, antes de ir pro trabalho. Enfim chegou o bicho-preguiça dos mares baianos, o Ferry.

11:30. Cheguei a Bom Despacho, Ilha de Itaparica. Dos 10 reais que eu tinha inicialmente, já tinha gastado R$ 2,00 de ônibus para a Estação, mais R$ 4,50 do Ferry. Precisava tomar uma van até o outro lado da Ilha, a 30km de distância. Achei uma por R$ 4,00, ou seja, eu ainda ia ficar devendo. Barganhei com o motorista, falando que eu nem ia até o fim-de-linha, que eu nem sabia onde era, mesmo assim o sacana ainda fazia questão dos cinqüenta centavos, falando que não importava nem se eu descesse a meio metro de distância. Enfim eu consegui botar os cinqüenta na pendura. Viajando os 30km de estrada, ilha adentro, lembrei-me de quando eu percorri aquela mesma distância pela primeira vez, a pé, levando quase 7 horas com o grupo. De van as 7 horas viraram 20 minutos, quando pedi para o motorista parar, para espanto de todos, bem no meio da ponte do funil, que liga a ilha ao continente. O motorista achou que eu tava de sacanagem. Parar ali no meio do nada! Mas dava pra ver pela janela uma galerinha com a mesma camisa que eu, fazendo rappel. Ele parou pra lá do meio da ponte, onde desci, feliz da vida por ver o grupo. Caminhei alguns metros e gritei a plenos pulmões “FORÇA!!!”. Enfim encontrava-os, o meu grupo de rappel, o Força Vertical.

Ou eu estava mal de fôlego ou eles estavam surdos, porque quase ninguém percebeu minha chegada, daí eu entendi o porquê: um dos membros do grupo estava em pleno pêndulo do primeiro kamikaze (trata-se de um pêndulo resultante de um salto do lado oposto da ponte onde está a via) do nosso grupo naquela ponte, o que por muito tempo acreditava-se impossível devido a suas condições estruturais. Após esse momento, começaram a notar minha chegada, ainda sem dar muita importância. O líder do grupo foi o único que me deu boas-vindas. Os outros a custo falaram comigo, apáticos. O próprio colega que deu o kamikaze, ao subir de volta à ponte, encostou-se do meu lado e nem me percebeu. Só falou comigo porque falei com ele.

Começou a bater aquela tristeza. Merda! Eu, ferrado após mais uma de tantas noites de trabalho sem dormir nem no intervalo, cruzei mais de 70km para chegar lá, atravessando terra e mar, gastando toda a (pouquíssima) grana que eu tinha, pra no final das contas chegar lá e me dar conta de que eu não era bem-vindo! Veio a frustração. Aquela recepção calorosa que nem geladeira da Skol realmente me botou pra baixo. E pensar que poderia estar em casa, na minha caminha, no sétimo sono, mesmo de dia, tendo que vendar os olhos por causa da claridade! Deu-me uma vontade de sumir. Senti raiva, senti tristeza, fiquei desolado, ainda mais por saber que não havia porquê me tratarem daquela forma. Eu era o que mais trabalhava pro grupo. Eu estava sempre onde o grupo estava, era o primeiro a chegar e o último a sair. Carregava quilos de equipamentos, ancorava as vias de descida, trabalhava na instrução, abordagem e segurança; desancorava tudo no final, nadava os cabos, por vezes sozinho. Mas ninguém se importava. Poucos me ajudavam. Não que eu precisasse de ajuda. Eu faria todo o trabalho sorrindo, mas por um grupo de verdade, que merecesse meu empenho. No fim das contas, nada do que eu fazia importava ao grupo. Davam mais importância a quem era engraçado, a quem contava piadas ou fazia palhaçadas no barzinho após as manobras. Em poucos minutos minha empolgação inicial, ao chegar à ponte, se esvaiu. Perdi a vontade de fazer rappel. Fiquei silencioso, pensativo.

Eis que uma colega perguntou ao líder se ela poderia dar um kamikaze também, e o líder consentiu, com uma condição prévia: que ela fizesse um bloqueio – técnica necessária para execução do kamikaze. Se ela tivesse força e habilidade suficientes para tal, poderia ir em frente. Ela tentou, mas não conseguiu nem passar da primeira trava (o bloqueio consiste de três travas feitas no cabo). Ao vê-la tentando sem sucesso executar uma manobra que, ao meu ver, era tão simples, e ainda assim querer executar um kamikaze naquela ponte, senti algo como um misto de cólera e ansiedade, misturados com tudo o que eu já estava sentindo. Quando me dei conta, eu já estava de cadeirinha, colocando as luvas e o equipamento. Pedi abordagem e desci, a primeira para testar a cadeirinha e a segunda para executar o bloqueio, o que fiz sem nenhum problema. Em seguida, pedi permissão do líder para executar um kamikaze, o que ele consentiu.

Parecia que todos aqueles sentimentos negativos que me haviam tomado iam se dissipando diante da idéia de executar um kamikaze naquela ponte. Basicamente o processo é o seguinte: Fizemos uma terceira via, de backup, do lado oposto de uma das vias de descida. Com o auxílio do segurança, “pescamos” a via oposta; desci na via de backup com dois prusiks, e um qp (mosquetão + freio 8) extra, usando um dos prusiks em conjunto com o qp, para bloquear no local de clipagem. Feito isso, me clipei com o qp extra à via oposta, que fora pescada previamente, tesei com o equipamento e bloqueei. Em seguida, puxei manualmente o cabo para fora do qp com o qual eu havia descido, ficando atado apenas pelo prusik. Atei o outro prusik à via, e com o pé, o usei para folgar e me soltar do prusik de cima. Uma vez solto do prusik de cima, agarrei-me a uma barra de ferro da estrutura da ponte, e tirei o meu pé do prusik de baixo. Pronto. Eu estava preso à ponte apenas pela força dos meus braços. Em seguida restou-me apenas contar de um até três e gritar: “Força!”, e o coro respondeu: “Vertical!”. Soltei a barra e me empurrei pra trás, caindo no vazio.

Por um segundo senti que ia perder minha consciência. A visão quase falhou, registrando a minha queda em direção ao espelho d’água. Em seguida, um solavanco me ergueu a mais de 15 metros de altura, quando, ao perceber que eu ainda estava vivo, minha consciência voltou. Outra visão se revelava: o lindo cenário do mar ao meu redor, entre ilha e continente, passando pela profundidade dos pilares internos da ponte, um ao lado do outro, um dentro do outro, formando um túnel imenso que fitava o meu pêndulo. Gritei. Gritei muito! Primeiro de pavor, e depois de alegria. Ouvia os meus colegas gritarem junto comigo. Tudo mudou. Tudo mudou dentro de mim. Pareceu uma eternidade até o pêndulo ir enfraquecendo e eu descer, já na maré alta. Não me lembro de ter me sentido tão exultante em algum momento anterior da minha existência. Fui nadando até onde meus colegas estavam me assistindo. Muitos me parabenizaram, outros ficaram indiferentes. Para mim não importava, dada à alegria que eu sentia, não só pela manobra, mas por ter triunfado sobre toda a tristeza e frustração que eu senti. Gargalhei. Gargalhei diante de tudo e todos que achavam capazes de me oprimir. Eu fui mais forte naquele dia, e sabia que a tristeza e a frustração me tocariam de novo algum dia, mas naquele dia eu aprendi uma lição a qual eu nunca mais me esqueceria. Uma luz tão ofuscante da qual as trevas nunca mais se recuperariam. Fiquei feliz pelo resto do dia, com o sentimento de que me despedia temporariamente do rappel com chave de ouro, afinal, a partir do dia seguinte eu entraria numa vida de cão, estudando de dia e trabalhando de madrugada. Mas isso aí já é outra estória.

Como uma imagem vale mais que mil palavras, tá aí o vídeo:


Essa é uma visão do vão da ponte: