quarta-feira, 15 de maio de 2013

Impressões de um brasileiro na Rússia

  
1. A Rússia é uma federação multicultural e multiétnica, com centenas de povos, sendo o russo eslavo apenas uma dessas etnias (e a mais populosa).

2. “Russo”, na língua russa, tem duas denominações. “Russkiy”, o russo eslavo, parente do polonês, do ucraniano, etc. e “Rossiyanin”, cidadão russo de qualquer outra etnia, como os chechenos, por exemplo.

3. Teoricamente um “russkiy” também é “rossiyanin”, mas na prática os primeiros, em grande parte, odeiam os segundos. O racismo é escancarado na Rússia, principalmente direcionado aos povos do sul, como chechenos e daguestaneses, podendo se estender a outros povos da antiga URSS, como tadjiques e azeris (veja mais sobre isso em http://www.youtube.com/watch?v=vgvOCMhm-CY). Curiosamente, negros, por serem poucos, não são mal vistos lá, sendo até exóticos, embora haja uma quantidade absurda de skinheads e grupos neo-nazistas (ironicamente foi a URSS que destruiu a Alemanha Nazista, sua maior inimiga) que também atacam negros e asiáticos.

4. Tais conflitos étnicos são mais comuns nas grandes cidades – Moscou e São Petersburgo – para onde gente de toda a Rússia e antiga URSS vai em busca de trabalho e melhores condições de vida. Foi o caso da família da minha esposa, que imigrou da vizinha Belarús, para Moscou, fugindo da crise econômica e da ditadura de Lukashenka.

5. Em Moscou tudo é muito caro, e o salário não é necessariamente bom, por isso, para se manter, tem que trabalhar muito. Só o aluguel do apartamento onde morávamos, um quarto e sala no subúrbio, era de R$ 2000 por mês. Não é à toa que muita gente que tem apartamento em Moscou, o aluga e vai morar fora, na Indonésia, por exemplo.

6. No interior, o custo de vida é bem menor e as pessoas são bem menos estressadas e mais gentis.

7. Viajar pelo país é relativamente barato. Os trens são muito eficientes e confortáveis, para todos os gostos e bolsos. Trechos como Moscou – São Petersburgo podem custar dos 25 aos 700 reais, ida.

8. Apesar do seu tamanho descomunal, a Rússia é bastante homogênea - herança da era soviética, que queria padronizar tudo, inclusive o idioma, que quase não tem sotaques regionais, a não ser em zonas rurais ou por falantes de russo como segunda língua. Uma pessoa de Kaliningrado, na fronteira com a Polônia, fala igual a uma pessoa de Vladivostok, pertinho do Japão. Os prédios residenciais são quase todos idênticos, porque os soviéticos acreditavam ser mais fácil copiar o mesmo modelo para todas as cidades, em grande escala.

9. O bilingualismo é forte em certas regiões da Rússia, como no Tatarstão, onde praticamente tudo está escrito em russo e tártaro. Entretanto, lamentavelmente, muitas outras línguas estão em perigo de extinção, como o kareliano, falado na Karélia, território que fazia parte da Finlândia.

10. A Rússia é dividida em vários tipos de unidades federadas, dependendo de sua autonomia. Há repúblicas, onde há concentração de povos que falam suas próprias línguas e professam suas próprias religiões, como o muçulmano Tatarstão, que dominou a Rússia durante séculos, a budista Calmúquia e a animista Ossétia do Norte. Depois vem os “ôblast”, que se assemelham ao nosso conceito de estado, os “krai”, que literalmente significa “limite”, formam fronteiras históricas da Rússia, os “okrug” que podem ser autônomos ou não, e os distritos federais de Moscou e São Petersburgo, antiga capital imperial. 

11. Há uma rixa entre Moscou e Piter (como os russos em geral chamam São Petersburgo) semelhante à existente entre Rio e São Paulo, sobretudo em tópicos culturais e políticos. A maioria dos russos gosta mais de Piter do que de Moscou, talvez por causa do estereótipo de que moscovitas se considerem superiores ao “resto” da Rússia. Curiosamente é raro achar alguém em Moscou que realmente seja de Moscou.

12. Apesar do alcoolismo ser um problema grave na sociedade russa, há muitos russos que não bebem. É proibido beber na rua e é probida a venda de bebidas alcoólicas depois das 23h. Até a venda de álcool hospitalar é proibida, sendo necessário trazer receita para comprar um frasco de 100ml. Por ter acesso a álcool hospitalar, é muito comum ver médicos alcoólatras.

13. Na Rússia não há a cultura do barzinho, como no Brasil. Lá tavernas são poucas e caras, assim, é muito comum ver gente bebendo na porta dos mercadinhos, nas esquinas, em parques ou no “pod’iezd” – espaço que vai desde a entrada até as áreas comuns dos prédios, sempre de olho na polícia, que quando aparece, pede propina. Ironicamente, vodka é uma moeda comum de suborno.

14. Muitas dessas pessoas que bebem na rua, escondidas, são chamadas de “gôpniki”, da sigla para “Abrigo Estatal do Proletariado” (GOP, em russo), originalmente localizado em São Petersburgo, nos tempos da revolução, uma espécie de Cidade de Deus russa. Os gôpniki são jovens geralmente vistos agachados nas esquinas de prédios e parquinhos, comendo sementes de girassol, usando versões falsificadas de roupas esportivas da Adidas, Nike, Puma, etc, e frequentemente com o olho roxo ou outros sinais de briga pelo corpo. Eles em geral pedem “emprestado” seu celular, boné ou qualquer outro objeto de valor, podendo ser perigosos.

15. Outros tipos perigosos russos são os torcedores de futebol, que quase sempre são neo-nazistas e odeiam minorias étnicas russas e estrangeiros de aparência não europeia. Entretanto, eles adoram brasileiros, então se você topar com um grupo de neo-nazistas, basta falar “iá iz Brazílii” (eu sou do Brasil) que logo todos sorrirão e te chamarão para beber cerveja e assistir algum jogo do Zenit (time de São Petersburgo), Spartak (de Moscou) ou algum outro do gênero. Militares em geral são tão cabeça-oca quanto, especialmente os paraquedistas da aeronáutica (vdvshniki), que comemoram seu dia, 2 de agosto, nadando em fontes na rua, bebendo vodka e procurando algum “tchurka” ou “ratch”, como eles chamam os migrantes do Cáucaso e da Ásia Central, para bater.

16. Mesmo assim, a Rússia ainda é um país muito mais seguro do que o Brasil, sendo Moscou, considerada a cidade mais violenta do país, um paraíso comparada aos índices de criminalidade das cidades brasileiras.

17. O tabagismo é um problema quase tão grave quanto o alcoolismo. Na Rússia só agora estão tentando impedir o fumo em espaços fechados e as áreas para não-fumantes frequentemente tem cheiro de cigarro. Drogas ilícitas como maconha e cocaína são utilizadas em escala muito menor que no Brasil, sendo que o narcotráfico não é um problema grave no país.

18. O atendimento russo é um dos piores que já vi, sobretudo em cidades grandes. Isto se deve talvez ao fato de que a economia soviética era muito pouco competitiva e os funcionários não se esforçavam para atender melhor, porque o salário vinha do estado de qualquer forma, ou seja, na prática, a URSS era uma imensa repartição pública, somado à grande quantidade de pessoas com nível superior completo (analfabetismo é inexistente na Rússia), número que não corresponde com as necessidades do mercado de trabalho e gera profissionais frustrados e insatisfeitos por trabalhar numa área que não condiz com sua formação, como engenheiros trabalhando como garçons ou médicos trabalhando como vendedores.  Com a chegada do capitalismo, no entanto, o serviço continua péssimo mas agora custa muito mais caro.

19. A corrupção é um problema tão grave lá quanto aqui. A burocracia lá chega a ser pior do que aqui, o que quase institucionaliza o suborno e a sonegação em todas as esferas.

20. Russos tem dois passaportes, um doméstico, obrigatório a todos, e um para viagens ao exterior, facultativo.

21. Nesse passaporte doméstico fica a “propiska” (lê-se “prapiska”). Consiste num registro do lugar onde a pessoa mora. Qualquer mudança que essa pessoa fizer, deve ser devidamente registrada pelas autoridades. Sem propiska, o cidadão corre o risco de ser ilegal dentro do seu próprio país. Exemplo: se você tem propiska em Novossibirsk mas mora em Moscou, corre o risco de não poder trabalhar, estudar nem receber atendimento médico lá.

22. Para estadias superiores a 3 dias em qualquer cidade na Rússia é necessário fazer um registro, indicando seus dados, onde você está hospedado e os dados do hospedeiro, que tem que ter propiska no local. É comum ver policiais pedindo documentos a pessoas que eles julgam não parecer locais (principalmente do Cáucaso e Ásia Central) para ver se elas estão com o registro em ordem. É muito comum falsificá-lo também, existindo empresas clandestinas especializadas nisso.

23. O clima na Rússia de um modo geral é extremo: verões muito quentes e invernos muito frios. Eu peguei de 40 graus positivos a 40 graus negativos. As estações são muito bem definidas, o que se reflete nas roupas, que variam com a estação não apenas por questão de moda, como na maior parte do Brasil, mas por necessidade.

24. Existe uma variedade enorme de palavras em russo para frio e roupas de frio.

25. A Rússia é um país rico em recursos naturais, como gás e petróleo, sendo a grande exportadora de gás para os países europeus. O aquecimento domiciliar é muito bom, sendo possível dormir de cueca em casa enquanto faz 40 graus abaixo de zero na rua.

26. É muito comum tomar chá, especialmente no inverno. Existe uma enorme variedade de sabores e mesmo depois de voltar ao Brasil eu continuo com o hábito de tomar chá diariamente.

27. Russos são muito supersticiosos, sobretudo no que se refere a dinheiro. Eles acreditam que não se pode assoviar dentro de casa, porque faz perder dinheiro. O mesmo para dar dinheiro nas mãos de outra pessoa; deve-se deixar a quantia em algum local, para que a própria pessoa pegue (o mesmo se faz dando propina. Coincidência?). Nos supermercados isso é bem visível, nunca a caixa vai te dar dinheiro na mão, tendo uma bandejinha de plástico específica para isso. Ver um gato preto ou passar por debaixo de escada e quebrar um espelho também são sinais de azar lá.

28. É feio apertar a mão de alguém usando luva, por mais frio que esteja. Também deve-se deixar o sapato na entrada de casa, onde há um cubículo feito para isso, onde também se deixam as roupas de inverno. Nunca se deve saudar a alguém no batente da entrada de casa. Segundo a crença, é no batente da entrada que moram os antepassados da família. Ao botar o pé fora de casa e ter que voltar por algum motivo, é necessário se olhar no espelho, senão dá azar. Ao viajar, antes de sair de casa, é de praxe sentar-se um pouco, com as bagagens, para ter boa sorte. Isso realmente ajuda a lembrar-se de algo que esteja faltando.

29. Ao contrário do que muitos pensam, russos quase nunca falam “nazadorovie” ao beber vodka. Eles brindam cada vez por algo diferente, em geral, começando pelo encontro, depois pelos parentes, pelo amor, e por aí vai. É considerado descortês não aceitar ao menos um gole.

30. A culinária russa é cheia de pratos das mais diversas origens. Ao visitar alguma família russa, é muito provável que lhe ofereçam, junto com a vodka (afinal russos nunca bebem sem aperitivo) salada, de vários tipos e sabores, quase sempre muito gostosas; “buterbrod” pão preto fatiado, com salame, queijo, picles, ou algo do gênero e até mesmo caviar, em geral vermelho, mais barato. É muito comum também o piel’miêni, uma espécie de ravioli russo, sopas, como o borsch, uma sopa ucraniana à base de beterraba, também muito famosa, com a receita variando de acordo com cada família. Aliás, é muito comum tomar sopa no almoço, sendo muito comum colocar um creme de leite azedinho chamado “smietana”, que se acha em todo lugar. Batata cozida com almôndegas também é muito comum, sobretudo nas residências estudantis. Na rua o que mais se come é a “chaurmá”, uma espécie de churrasco grego de origem asiática, e o “tcheburiêk”, idêntico ao nosso pastel. As porções russas em geral são pequenas, comparadas às nossas, e eles não gostam de misturar comida no prato, comem tudo separadinho.

31. Cobradores de ônibus/bonde quase sempre são mulheres. E sofrem muito, porque raramente os ônibus de lá tem catraca: entram todos os passageiros de vez e a coitada, que, obviamente, está sempre mal-humorada, tem que correr atrás dos passageiros para que eles paguem a passagem. Ao pagar elas te dão um bilhetinho, com uma numeração, em geral de 6 algarismos. Quando a soma dos 3 primeiros é igual à soma dos 3 últimos (exemplo: em “151322” 1+5+1 = 7 e 3+2+2 = 7, ou seja, as duas somas são iguais a “7”), esse bilhetinho é considerado “da sorte” (schastlivy biliet), que você deve comer e fazer um pedido.

32. O transporte público na Rússia, herança do socialismo, onde carro privado era luxo, é muito eficiente, tendo linhas de ônibus, vans (legalizadas), bondes e, se a cidade for grande, metrô. O tempo de espera no ponto é mínimo, e todos eles (com exceção das vans) tem aviso sonoro e aquecimento, tudo pensado nas duras condições do inverno, que congela as janelas e torna a espera no ponto de ônibus um suplício. Taxi só chega agendando com a central telefônica e especificando o endereço para busca no GPS. Só há uma bandeira e os carros raramente tem taxímetro ou qualquer tipo de identificação externa. As corridas são, em geral, (bem) mais baratas que no Brasil, mas eles adoram dar golpe em turista, aplicando preços exorbitantes, principalmente indo ou vindo para o aeroporto, que em geral se localiza muito longe do centro.

33. O segredo da beleza russa é a maquiagem. As russas são muito vaidosas e quase nunca ousam sair de casa sem se maquiar primeiro, aonde quer que vão. Sempre procuram se vestir bem e se preocupam com a aparência. O padrão de beleza é o anoréxico, sendo um insulto seríssimo dizer a uma russa que ela tem um bumbum grande, o que é o mesmo que chamá-la de gorda. As periguetes de lá não se importam com o frio, chegando a sair de minissaia e salto alto com temperaturas de 40 graus abaixo de zero e montanhas de neve. Toda essa preocupação geralmente tem um objetivo: achar um marido rico. As russas casam muito cedo, em comparação às brasileiras, que muitas vezes nem se casam, e, geralmente, com algum cara que possa bancá-las.

34. Russos em geral são frios com desconhecidos, principalmente em espaços públicos. As russas, que muitas vezes usam quilos de maquiagem e se produzem como se fossem à cerimônia do Oscar, quase sempre andam de cara feia, a menos que você esteja numa BMW ou numa Mercedes, de preferência com um iPhone 5 na mão. Depois do primeiro contato, eles tendem a se abrir mais, e aí você pode fazer grandes amigos(as).

35. Russos em geral são puritanos: eles não tem equivalentes para “periguete” nem “ficar”, e agem como se essas coisas lá não existissem. Porra nenhuma! Lá o que mais tem é periguete, que ficam com Deus e o mundo nas baladas. Russos também acham muito feio falar palavrão, sobretudo na frente de mulheres mas em russo existe uma sub-língua inteira só de palavrões, chamada de “mat”. Mat baseia-se em 3 palavras-raízes, sendo elas “rui” (caralho), “pizdá” (buceta) e “iebat’” (fuder), que, através de afixos podem gerar uma infinidade de palavrões inimagináveis com os mais diversos significados, e mesmo a mocinha mais angelical que você conhecer vai saber a maioria deles.

36. Devido ao antigo calendário juliano, alguns feriados do calendário russo são comemorados em datas diferentes das nossas, ou até mais de uma vez, sendo uma no atual calendário gregoriano, e outra no antigo calendário juliano, como o ano novo e o ano novo velho, comemorado na noite do dia 13 a 14 de janeiro. Pelo mesmo motivo o natal é comemorado dia 7 de janeiro, sendo 25 de dezembro um dia como outro qualquer. Páscoa também é comemorado depois da páscoa católica. O maior feriado russo é o ano novo, que mistura características do nosso natal. Como na União Soviética religiões eram proibidas, a árvore de natal virou árvore de ano novo e o Papai Noel é o velho Ded Moroz (algo como “vovô friozão”, em russo) que traz presentes na noite de ano novo. Os 10 dias seguintes ao ano novo são um mega-feriadão em que quase ninguém trabalha e todo mundo enche a cara de vodka e come salada em casa. É também uma época muito fria do ano, em que o Sol aparece muito pouco. Devido à grande quantidade de fuso-horários na Rússia, é comum celebrar o ano novo no horário local onde se está, mais o de Moscou, sendo que os mais pinguços ainda comemoram de outras regiões.

37. Casamento é uma enorme indústria na Rússia, sobretudo em Moscou, onde quase todo dia se veem limusines passando com noivos gritando aos quatro cantos (principalmente a noiva, quase sempre bêbada) indo festejar em algum restaurante caro. A tradição é semelhante à nossa, mas casamentos na igreja são mais raros lá, por influência do passado soviético recente, onde não se podia casar na igreja. Como casamento na igreja é considerado algo mais sério (e seguido pelos casais mais religiosos), alguns casam lá anos depois do do civil, realizando uma espécie de “segundo casamento”.  Os cartórios fazem bem esse papel, no entanto, sendo o casamento civil uma cerimônia bem mais pomposa lá do que nos cartórios brasileiros.

38. A noção de “democracia” na Rússia é bem diferente da nossa. Lá não existem eleições para prefeito nem governador, sendo eles nomeados pelo presidente, sem mandato definido. Só para você ter uma ideia, Yuri Luzhkov, prefeito de Moscou durante 18 anos consecutivos, só saiu do cargo porque brigou com o então presidente Medvedev. Praticamente só há eleições para presidente e primeiro ministro, e aí já viu, Putin manda no país há mais de uma década, fazendo troca-troca com Medvedev. Belo exemplo de democracia.

39. Se você pretende viajar para a Rússia, é bom aprender pelo menos o alfabeto cirílico, porque lá é difícil achar alguém que fale inglês ou ver letreiros com tradução em inglês ou com transcrição para alfabeto latino, pelo menos.

40. É muito comum ver preços mais altos para estrangeiros, principalmente em museus e teatros. Em compensação, a maioria desses lugares tem descontos para estudantes, basta apresentar sua carteira de estudante, pode ser a brasileira mesmo.

41. Nos templos ortodoxos, islâmicos ou budistas quase sempre a entrada é gratuita mas é proibido fotografar (aliás, parece que tudo é probido na Rússia, mas todo mundo faz mesmo assim). Para entrar nos templos ortodoxos, homens devem tirar o gorro ou qualquer coisa que cubra a cabeça, e mulheres tem que usar saia e cobrir o cabelo. Se você é mulher e for de calça (short ou bermuda nem pensar!) é possível que você possa pegar um lenço na entrada da igreja (especialmente se tiver um convento anexo) para enrolar na cintura, fazendo uma saia improvisada. Se estiver menstruada, o que para eles é sinal de impureza, é melhor passar longe então. As igrejas ortodoxas em geral tem uma nave circular, sem bancos e com pinturas de santos ao invés de esculturas. A maioria dos czares e imperadores russos hoje são santos, não importa se eles tenham cometido as piores atrocidades durante seus reinados.

42. Se no Brasil parece que falta infra-estrutura para deficientes físicos, na Rússia é muito pior. Eles praticamente ignoram pessoas com necessidades especiais, sendo difícil achar rampas, avisos sonoros e, sinceramente, não me lembro de ter visto passeios táteis nem braille em lugar nenhum lá. O memorial da Batalha de Stalingrado (dentre outros memoriais e pontos turísticos russos), que foi a maior batalha da história da humanidade, na atual Volgogrado, é um exemplo gritante disso. Eu não conseguia imaginar com os soldados mutilados ou aleijados depois da guerra poderiam fazer para subir a interminável escada que leva até o pavilhão principal, seguido da monumental estátua de 85m de altura da Mãe-Pátria.

43. Falando em exército, o alistamento militar não só é obrigatório e dura 2 anos como se a pessoa for dispensada nesse ano, deve voltar no próximo para se alistar (ou ser dispensada) novamente, até os 27 anos. Servir o exército russo é o maior pesadelo na mente dos jovens russos que fazem de tudo para não se alistarem. Para serem dispensados, eles tentam esticar os estudos ao máximo possível, fazendo graduação, mestrado e até doutorado para não ir pro quartel, ou simplesmente tem filhos, o que garante 3 anos sem servir o exército, por filho. Outros mais abastados pagam fortunas para não serem chamados, enquanto os mais pobres tomam doses cavalares de cafeína e sobem e descem correndo lances inteiros de escada, para elevar a pressão e serem reprovados no exame médico. Alguns, pasmem, são capazes de cortar um dedo, ou de se passarem por gays, que não são admitidos no exército.

44. Aliás, se aqui no Brasil a gente reclama de homofobia, na Rússia é tolerância zero. Parada gay é proibida por lei e os poucos homossexuais militantes que tentam fazê-la levam porrada da polícia e de civis. Recentemente, em São Petersburgo, considerada a capital cultural da Rússia, foi aprovada uma lei que criminaliza a “propaganda homossexual”, ou seja, o simples fato de dizer em público “eu sou gay” é crime. Bom, se você disser isso em português, talvez não vá em cana...

45. Outra característica marcante da sociedade russa é o machismo. Desde a infância, nas escolas, meninos aprendem marcenaria e mecânica enquanto meninas aprendem a cozinhar e costurar. Elas são orientadas desde pequenas a se vestirem e parecem bonitas para os homens e que devem obedecê-los, enquanto eles podem fazer o que quiserem. Homens quase nunca ajudam nas tarefas domésticas e são muito ciumentos. Em compensação, talvez pela frieza do homem russo, eles não cantam ou assobiam para mulheres na rua, coisa tão comum no Brasil.

46. Em termos econômicos, a sociedade russa é mais igualitária que a brasileira, não se notando uma diferença tão grande quanto a nossa entre ricos e pobres. Lá há muito menos miséria e mendigos, até porque é impossível viver na rua com o rigoroso inverno russo. Em compensação, há uma grande concentração de riqueza nas mãos de uns poucos, sendo que Moscou é a cidade com o maior número de bilionários do mundo.

47. A maioria dos russos já esteve, está ou estará alguma vez na vida na Crimeia, um balneário no sul da Ucrânia. Destinos turísticos populares também são Turquia e Egito, que são inundadas de turistas russos beberrões. Para os que tem mais dinheiro, Tailândia e Indonésia são os destinos turísticos mais procurados.

48. Todo russo que se preza tem vk (abreviatura de vkontakte “emcontato” [sic], em russo), uma espécie de facebook russófono com um ótimo sistema de compartilhamento de música e vídeo, que, por sinal, está ficando popular entre brasileiros, e/ou livejournal, um tipo de blog e rede social.

49. Russos adoram adornar títulos de profissões. Se lhe oferecerem uma vaga de emprego como “promoter”, não ache que você vai organizar mega eventos ou trabalhar numa grande empresa, mas sim distribuir panfletos na rua, ou se te chamarem para ser “manager em landschaft” (mistureba do inglês para “gerente” e do alemão para “paisagem”), não vá achando que você vai ser chefe de algum departamento executivo. Balela, isso quer dizer “faxineiro”.

50. Os russos em geral conhecem muito pouco sobre o Brasil, só o basicão: carnaval, futebol, praia, e, aparentemente, nossos maiores produtos de exportação por lá, o café, a carne bovina e as novelas, que por sinal há tempos não passam mais na TV. As mais famosas foram Escrava Isaura e O Clone, cujos personagens ainda habitam as mentes de muitos. Contudo, quando falo a eles que o Brasil é mais rico que a Rússia, sendo a 5ª maior economia do mundo, 5º país mais populoso e 5º maior país por território (4º maior, em área contínua), eles ficam pasmos e pensam que eu estou contando lorota. Por algum motivo eles acham que a maioria dos brasileiros (ou todos, sei lá) são negros, e não acreditam que um branco ou um asiático possa ser brasileiro, embora eles tenham assistido novelas brasileiras, onde negro é mosca no leite. Eles também não fazem ideia de que língua nós falamos, sendo o palpite mais comum “brasileiro” seguido de espanhol. 


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3 comentários:

Rodrigo disse...

Este detalhe de não haver muita variação linguística, já tinha ouvido falar, mas não sabia que era por causa do regime soviético.
Esses tópicos foram bastante enriquecedores.

camila kowalski disse...

Adorei essa postagem! Genial!! Senti como se estivesse lá, com tanta riqueza de detalhes e descrições :) Muito interessante seu ponto de vista e sua capacidade de observação e distanciamento para captar e processar tanta informação. Fiquei com (mais) vontade de conhecer a Rússia!

Marcelo disse...

Um texto excelente. Muito instrutivo.