A meritocracia no Brasil começa com os portugueses, que chegaram aqui por seus próprios méritos, isto é, em embarcações fenícias, orientados por bússolas chinesas, números hindus e matemática arábica, para trazer deuses semitas, espada hitita e língua latino-mourisca, mostrando assim a superioridade europeia aos primitivos habitantes do “novo mundo”, cujos ancestrais também realizaram a incrível façanha de chegar aqui... meros vinte mil anos antes.Conquistaram esta terra também por seus próprios méritos, retribuindo a hospitalidade tupiniquim com gripe, varíola, sarampo, difteria, catapora, peste bubônica, coqueluche, febre tifoide, tuberculose, cólera, rubéola e outras doenças somadas às guerras que eles atiçaram entre os povos rivais que aqui encontraram.
Por seu próprio mérito descansavam enquanto chamavam de preguiçosos os sobreviventes daqueles que outrora aqui reinaram e que, escravizados juntos com os africanos, de fato construíam cidades e portos, trabalhavam lavouras, engenhos e minas.
O povo brasileiro nasceu desse grande mérito de subir na vida às custas de outrem infectando, traindo, semeando discórdia, roubando, matando, violentando e escravizando. O próprio termo “brasileiro” já denuncia: ladrão de pau-brasil ‒ e temos o dever patriótico de nos orgulhar disso.
Assim como os portugueses, nos apossamos de tecnologias alheias e as chamamos de nossas, como se tivéssemos o mérito de termos inventado o carro, o computador, a internet, o telefone, a televisão, e ainda denunciamos e duvidamos da legitimidade de um indígena que use uma dessas tecnologias, ainda que nós fumemos, comamos chocolate, masquemos chiclete, repousemos em redes e tomemos banho todos os dias como aprendemos com eles.
Aliás, talvez esse seja um dos maiores motivos do ódio que a grande maioria dos americanos tem, ainda que latente, contra os indígenas, porque eles nos lembram que embora tenhamos surgido aqui nunca seremos totalmente daqui, que somos fruto de um crime impune, uma extensão do holocausto colonizatório, que não somos nem um pouco melhores do que aqueles que nos orgulhamos tanto de termos expulsado.
O que realmente houve foi uma troca de metrópole por filial e a independência do Brasil o tornou uma colônia de si mesmo, controlada por uma corja, em sua maioria descendente dos “meritocratas” coloniais e daqueles por eles trazidos posteriormente para limpar a nação dos que verdadeiramente a construíram, com sangue, suor e lágrimas ‒ inúteis, uma vez que não mais podiam ser escravizados. Eles também estufam os peitos para dizer que chegaram aonde chegaram por seus próprios méritos.
Meritocracia é algo lindo na teoria, mas, na prática, é como uma pessoa que adentra a sua casa dizendo ser sua amiga, apunhala pelas costas na primeira oportunidade, violenta e escraviza a sua família e a vizinha, toma tudo que é seu e se orgulha de ter subido na vida por seus próprios méritos, ainda dizendo que fez o favor de trazer a civilização e o progresso a você, primitivo selvagem inferior, que ousou viver em harmonia com a natureza ao invés de destruí-la. A meritocracia é linda na teoria porque só na teoria ela não inclui o crime.
...
O grande mérito dos europeus em sua invasão deste continente. Duvida?
Então me explique como as populações indígenas nas colônias europeias na África e Ásia não foram varridas do mapa como as daqui uma vez que seus invasores (séculos XVIII - XX) tinham tecnologias ainda mais avançadas.