Uma cliente minha certa vez
comentou:
“Ah, eu nunca iria para um lugar
como a Índia. Deve ser horrível ver tanta gente miserável, que não tem onde
cair morta, enquanto algumas poucas andam de carro importado e moram em
mansões.”
“Você quer dizer, que nem aqui no
Brasil?” respondi eu.
“Bem... É... Mas na Índia isso
tem nome, sabe, são castas. No Brasil não tem isso.”
“Sério? Então o problema não é a
discriminação em si, mas ter nome para isso? Podemos não usar essa
nomenclatura, mas discriminamos tanto com base em gênero, raça, classe, idade e
condições físicas que, na prática, é como se tivéssemos um sistema de castas.”
Ela ficou pensativa e, em
seguida, mudou de assunto.
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Durante as eleições de 2018
refleti um pouco mais sobre o tema. Até então, eu acreditava que um branco
casado com uma negra não poderia ser racista, até ver casos assim no meu convívio.
Como é possível? Do mesmo jeito
que homens casam com mulheres e nem por isso deixam de ser machistas, do mesmo
jeito que racistas frequentemente afirmam que não o são posto que têm amigos,
empregados ou já tiveram relações com negros.
Somos para os racistas como gado
para carnívoros. Aliás, menos, muito menos. Um mundo sem carne bovina ou suína
seria um pesadelo para carnívoros, mas um mundo sem pessoas “de cor” seria um
sonho para os racistas. Racistas podem até admirar personalidades negras, ter
amizade e relacionamento com pessoas não-brancas, afinal, ser racista não é simplesmente nos odiar, nos chamar de macacos ou
dizer que nosso cabelo é ruim, mas sim ser beneficiado por um sistema de
privilégios em detrimento de outrem e acreditar na legitimidade desse sistema,
contribuindo para sua manutenção. Assim, para o racista, pessoas de “raças
inferiores” devem ser marginalizadas e subalternizadas dentro desse sistema;
enquanto elas estiverem aí, submissas e oprimidas em seus cubículos, tudo bem,
afinal, elas são úteis como mão de obra barata.
Contudo, assim como para o
carnívoro seria um pesadelo ouvir ordens de um boi ou perder a vaga na
universidade para um porco, o racista surta quando a negrada sai da senzala e
indígenas saem do mato para ocupar a academia e locais de poder. O mesmo vale
para mulher que “sai do fogão” para reivindicar seus direitos, pessoas LGBTQ+ que quebram paradigmas, pessoas idosas,
obesas e/ou com deficiência e tantas outras que ousam sair de seu cubículos e querer ter uma vida
digna, sem as limitações impostas por aquelas que se julgam melhores só porque
o sistema que seus antepassados inescrupulosos e covardes instauraram as
beneficia, sistema dentro do qual nascemos e crescemos com nossos cérebros sendo constantemente lavados para que tudo pareça natural, como se as coisas sempre tivessem sido assim e devam continuar assim. Não. Só porque é assim NÃO SIGNIFICA QUE DEVA SER ASSIM.
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Certa vez, uma outra cliente
minha me contou:
“Quando eu morava em Londres eu
tinha uma empregada indiana. Ela me perguntou se eu e meu marido somos da mesma
casta, vê se pode?! Hahaha... Eu lhe respondi que no Brasil não tem isso de
casta, não.”
“Será?”
...
E assim chegamos a dez anos de blog. Êêê...